O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), através de sua Terceira Turma, autorizou um homem de 46 anos e sua filha de 11, moradores da capital goiana, a plantarem maconha em casa para uso medicinal. O julgamento, que ocorreu no mês de agosto, teve como relator o desembargador Ney Bello.

De acordo com a decisão, as autoridades de segurança pública não poderão adotar nenhuma medida contra a família, que já plantava cannabis para fins terapêuticos. A criança tem o diagnóstico da Síndrome de Rett, que se enquadra dentro do espectro autista (TEA), e o pai da menina faz tratamento para dor crônica nos ombros, em razão de uma artrose.

Longo tratamento

O pai da menina, que preferiu não se identificar, relatou que a criança foi diagnosticada de três para quatro anos, após perder rendimento escolar. Segundo ele, foram cerca de três anos de tratamentos com remédios alopáticos sem qualquer sucesso e crises convulsivas recorrentes.

“O diagnóstico da minha filha foi feito por meio de um exame genético, solicitado por um neuropediatra do Hospital Albert Eintein. E foi esse diagnóstico, que nos fez perceber que todos os remédios, toda a alopatia que ela usava, não fazia o efeito esperado. A síndrome de Rett é uma mistura de autismo com neuropatia, então é algo que afeta muito a fala, a cognição, ela tinha crises epiléticas de difícil controle”, conta ele.

De acordo com o homem, foi o próprio médico, que já acompanhava outras crianças com a mesma síndrome, quem indicou a alternativa da cannabis. “O próprio médico indicou que a cannabis poderia ser uma ótima alternativa para tratar as crises [convulsivas]. Dos 3 aos 6 anos, tentamos diferentes tipos de remédios e nada deu certo, ela não dormia. Ela tinha crises enquanto dormia. E o problema do remédio antipsicótico, é que ele embora muito o intelecto da criança e ela passa a ter um atraso de desenvolvimento. Ao contrário da cannabis”, disse ele.

“Combinei com a mãe dela e fomos desmamando das medicações ansiolíticas, antidepressivas e outras medicações, fomos aos poucos introduzindo o canabidiol e outros canabinóides. A melhora começou a acontecer, ela começou a amenizar os sintomas do autismo, como a falta de atenção, o olhar no olho, começou a interagir mais, a participar mais das atividades em família, se comunicar melhor e, desde então, há cinco anos, ela só se trata com cannabis. É muito diferentes uma criança dopada de uma criança estimulada”, reforça.

Segundo o pai da menina, que também é médico, ela usa mais de um tipo de óleo a base de maconha. Ele justifica que é muito importante uma riqueza de diferentes canabinóides – as substâncias presentes na cannabis, que se associam ao corpo humano. “A cannabis proporciona neuroplasticidade, que são novos circuitos de memória e aprendizagem. Com isso ela vem superando dificuldades nas relações com outras pessoas, dificuldades de comunicação, dificuldade com outras crianças. A síndrome de Rett se apresenta com uma perda da função da mão, então as crianças adquirem alguns estereótipos, elas ficam tilintando as mãos, e isso reparamos que não interrompeu, mas melhorou bastante. Assim como a fala dela, a capacidade de comunicação dela tem melhorado muito e atribuímos isso a neuroplasticidade”, ressalta.


 

Alto custo

O preço do tratamento com a maconha para fins medicinais foi uma das razões para que a família tentasse o habeas corpus para o cultivo caseiro da planta. Ao portal, o pai da menina conta que o tratamento feito apenas com óleos importados é muito oneroso, o que inviabiliza o acesso das famílias a esse tipo de terapia.

“Se você for usar somente óleos importados no tratamento de uma criança, fica realmente muito oneroso. Então, em razão da facilidade, dos valores, por sermos responsáveis, entramos com o habeas corpus para o cultivo em casa. Fizemos cursos de cultivo na Associação Goiana de Apoio à Pesquisa da Cannabis Medicinal (Agape), que nos deu todo suporte, inclusive jurídico, para essa conquista”, conta.

Ele relata ainda que também faz uso da planta e, por isso, tiveram a chance de escolher plantas específicas para o tipo de intervanção adequada. “Fomos auxiliados pela associação a comprar uma planta com a genética que favorece ao tratamento da minha filha e também ao meu, porque tenho uma forte artrose nos ombros, então a cannabis me ajuda a aliviar essa dor. Optamos por espécies que possamos tratar a epilepsia, a dor, que seja ansiolítica e antidepressiva. As plantas se adaptam melhor a cada tipo de coisa, o que é muito diferencial”, ressalta ele.

Esperança

Para o futuro, o paciente afirma que em cinco anos haverá uma grande mudança na condução dos tratamentos, principalmente, das doenças crônicas. “O número de pessoas que precisa de tratamento com cannabis é enorme. Só em Goiás estima-se que sejam mais de 300 mil pacientes com algum tipo de neuropatia e nenhum remédio que está na farmácia vai resolver. Então acho que para o futuro a cannabis será mais popular, é necessário que seja”, afirma.

Ainda segundo ele, o tratamento com maconha para fins medicinais é mais barato do que os remédios alopáticos, encontrados em farmácias. “Todos nós estamos degenerando com o envelhecimento e as pessoas podem usar substâncias que ajudas a melhorar isso, que se adaptam ao seu organismo, mas não é possível que isso saia dos sistemas de saúde, pelo estado. Além de tudo é uma forma mais barata de tratar doenças que o remédio só remedia, não trata diretamente a causa”, finaliza.