Esta é a terceira reportagem da série sobre o ex-ponta-esquerda Carlos Henrique Rosa Paris, capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, nascido dia 17 de junho de 1958 numa família de origem socioeconômica humilde do bairro Vila Rica, e que passou a infância entre os bancos escolares, os conselhos de seu pai, Pedro Rosa, e da mãe, Neusa Paris, ouvindo as histórias de futebol que se contavam em casa, de olho nos irmãos mais velhos, bons de bola, e jogando peladas nos campos sem grama de sua cidade. 


Desde muito cedo revelou sua principal característica: a velocidade. Tanto que foi o atletismo, especialmente as corridas rápidas, o primeiro esporte a praticar nas escolas. Ninguém era mais rápido do que o Henrique, que virou Carlos Henrique na Desportiva e nos clubes brasileiros por onde passou, mas é Páris no futebol peruano, onde brilhou e fincou raízes, até o final da carreira e sua decisão de migrar para os Estados Unidos com a mulher e os dois filhos.


Neste capítulo, os altos e baixos no Flamengo, a ponto de não sair na foto de campeão brasileiro de 1980, e a decisão acertada de ir para o Londrina, depois de se aconselhar com o zagueiro Marinho, que tinha vindo do clube paranaense para ser campeão do mundo pelo time da Gávea.

Carlos Henrique hoje vive nos Estados Unidos com a família e é empresário

 

“Falei umas merdas para o Cláudio Coutinho e saí do Flamengo”

 

A foto de campeão brasileiro de 1980 do Flamengo saiu sem Carlos Henrique na ponta 

 

Carlos Henrique foi campeão brasileiro de 1980 pelo Flamengo, mas não disputou o último jogo e nem apareceu na foto. Essa história começa no dia 28 de maio de 1980, quando foi o titular da ponta-esquerda do time no primeiro jogo da decisão do Campeonato Brasileiro, no Mineirão, contra o Atlético Mineiro. 


O Galo venceu o primeiro jogo por 1 a 0. Carlos Henrique foi substituído no segundo tempo por Anselmo, que no ano seguinte protagonizaria o polêmico episódio contra o Cobreloa, do Chile, no terceiro jogo da decisão da Taça Libertadores. 
Vamos refrescar a memória sobre o substituto de Carlos Henrique?


Na decisão da Libertadores de 1981, o Flamengo venceu a primeira partida por 2 a 1 no Maracanã, perdeu a segunda por 1 a 0 em Santiago (nessa partida, o zagueiro Mário Soto abusou da violência, agredindo jogadores do Flamengo com a complacência do árbitro) e o rubro-negro vencia a terceira por 2 a 0, quando, aos 36 minutos do segundo tempo, veio do banco uma decisão inusitada. 


Zico fez os quatro gols do título na decisão da Libertadores (os dois no Maracanã e os dois em Montevidéu), mas as pessoas lembram menos disso do que de Anselmo. Ele entrou aos 36 minutos do segundo tempo em Montevidéu, campo neutro, sede da terceira partida, com a ordem expressa do técnico Paulo César Carpegiani: “Vai lá e dá um soco na cara do Mário Soto”. 


Anselmo era Caveira?


Missão dada, missão cumprida. E o tempo fechou. Todo mundo brigou, mas o Flamengo deu a volta olímpica e no final daquele ano seria campeão do mundo, em Tóquio, no histórico 3 a 0 sobre o Liverpool.


Voltando ao último jogo de Carlos Henrique sob comando de Cláudio Coutinho no Flamengo, apenas um ano após sua estreia em Italo del Cima. Após ser substituído por Anselmo no Mineirão, Carlos Henrique ficaria queimado no clube por causa do que aconteceu depois.
Na partida seguinte, a decisiva, dia 1º de junho de 1980, o ponta-esquerda foi preterido pelo técnico Cláudio Coutinho em favor de Júlio César, o Uri Geller, com quem havia alternado a camisa 11 a partir da quarta rodada da primeira fase do campeonato.


“Havia mais de 150 mil pessoas no Maracanã e, quando o Coutinho não me relacionou para o segundo jogo, falei umas merdas no vestiário e ali mesmo o Coutinho me entregou para a diretoria e me desligaram do time. Fui emprestado para o América, que me cedeu ao Goiás”, conta Carlos Henrique.


Males que vêm para o bem? Foi por isso que Carlos Henrique começou a rodar por vários clubes e soube valorizar cada bom contrato que fazia, possibilitando tocar a vida depois que parou de jogar. 


Antes de passarmos para a vida cigana de Carlos Henrique, vamos relembrar um pouco de quem era o técnico que o menino de Cachoeiro ousou desafiar no vestiário do Maracanã. 


Cláudio Coutinho era capitão do Exército e foi um dos milhares de militares utilizados pelo regime implantado em 1964 para ocupar postos chaves em todas as áreas, mas principalmente nos esportes. Logicamente, não tolerou o que considerou uma indisciplina. 


Em 1970, Coutinho já compunha a comissão técnica da Seleção Brasileira tricampeã no México, como preparador físico. O presidente da CBD (antecessora da CBF) era o almirante Heleno Nunes. Coutinho foi coordenador da Seleção de 74, na Alemanha. De 1976 a 1980, foi técnico do Flamengo, introduzindo no clube um conceito europeu de futebol. É considerado o responsável pela montagem do time vencedor do final dos anos 70 e início dos anos 80. 


Em janeiro de 1977 foi anunciado treinador da Seleção Brasileira (naquela época, o técnico não era exclusivo da Seleção) e comandou o Brasil na Copa de 78 na Argentina. Diante do polêmico episódio que eliminou o Brasil da final, em que a Argentina sagrou-se campeã, Coutinho deu uma declaração que ficou marcada: “O Brasil é o campeão moral dessa Copa”.


A Copa de 78, segundo o jornalista inglês David A. Yallop (“Como eles roubaram o jogo”, publicado no Brasil pela Editora Record), foi preparada para ser vencida pela Argentina para atender aos interesses do ditador Jorge Videla, num conchavo com a Fifa de João Havelange, que havia chegado à Presidência da entidade internacional em 1974 e a comandou até 1998, portanto, por 24 anos. 


Em 1981, Coutinho treinava o Los Angeles Azstecs, dos Estados Unidos,  e, no dia 27 de novembro, estava de férias no Rio e resolveu ir fazer uma atividade em que era especialista: pesca de mergulho submarino. Acabou morrendo durante o mergulho, perto de umas ilhas na altura de Ipanema. 


Bem, voltemos a Carlos Henrique. Ele nunca se firmou muito no time do Flamengo, que tinha a cria da casa Júlio César como ponta-esquerda. Mas, quando entrou, Carlos Henrique deu conta do recado. 


Casamento forçado por Domingo Bosco “para virar homem”


O supervisor Domingo Bosco, que chegou ao Flamengo em 1978 e ficou até sua morte precoce em 1982, era tido como um dos principais responsáveis pela trajetória vitoriosa do clube naquele período, quando foi tricampeão carioca, campeão brasileiro, campeão da Libertadores e Mundial Interclubes em 1981.


O episódio de Domingo Bosco se encontrando com Carlos Henrique no café-bar do térreo do Edifício Álvares Cabral, no Centro de Vitória, contado na reportagem anterior, já dava uma mostra de com quem o jogador capixaba estava lidando. Mas não foi o suficiente para aprender.

 

 

Carlos Henrique chegou para o Flamengo em 1979 para jogar ao lado de Zico e Cia

 

Quando chegou ao Rio de Janeiro para jogar exatamente no time de maior torcida do Brasil, Carlos Henrique, como tantos outros jovens atletas que chegam na Gávea ou nos outros clubes, vindos do interior do País, ficou deslumbrado. E não demorou para ter problemas. 
“Eu era muito mulherengo e mulher não faltava para jogador de futebol. Para eu me dar melhor no Flamengo e no Rio, o que me faltou foi alguém para cuidar de minha cabeça. Eu era muito novo, moleque vindo dos campos de pelada da Vila Rica, com uma passagem de pouco mais de dois anos pela Desportiva, e agora me via no meio daquela loucura”, confessa o ponta.


A paixão do carioca pelo futebol é algo sem paralelo em lugar nenhum, de acordo com Carlos Henrique: “Os caras viam você dentro do carro e entravam na frente, te paravam no meio da rua. Eu sei que o capixaba gosta de futebol e é ligado no futebol carioca, mas lá dentro do Rio eles falam de futebol de manhã, de tarde e de noite. Nas festas, a mulherada cai em cima”.


Mas é aí que entrava a genialidade de Domingo Bosco. Percebendo que o jovem atleta estava se perdendo, emparedou Carlos Henrique. “Ele me encostou contra a parede e disse que eu estava jogando no time que o mundo inteiro queria estar e que tinha de tomar juízo. Perguntou se eu tinha uma namorada firme, eu disse que sim e ele então falou: ´Então, vai se casar com ela”, conta o filho de seu Pedro e dona Neuza.


Foi assim que Carlos Henrique, aos 21 anos de idade, se casou com Silvia Tomelin Knipel, com quem teve sua filha mais velha, Silvia Regina, que este ano faz 40 anos. Ele ficou casado com Silvia Knipel até 1989, quando foi para o Peru. “Ela chegou a ir lá, mas não deu certo e voltou”, observa. A essa altura, a relação já estava muito fria e Carlos Henrique confessa que já havia conhecido sua mulher peruana.
Do Flamengo para o Londrina, onde fez o “pé-de-meia”

 

 Artilheiro do Londrina e craque do Paranaense 1980

No ano de 1979, Carlos Henrique fez sete jogos pelo Flamengo, conforme registrado pelo blog “Livro A Nação”. Carlos Henrique foi titular nas quatro primeiras rodadas do Brasileiro, até o jogo contra o Mixto, de Cuiabá, que foi marcante para ele. Depois, passou a revezar com Júlio César. O time tinha que ganhar o Mixto para passar de fase.


“Eu sou velocista, mas, para você ter uma ideia, o ponta direita deles (Pelezinho) era mais veloz que eu. No vestiário, o Júnior estava preocupado e sugeriu: ‘Carlinhos, você acompanha aquele ponta-direita quando ele descer’. Foi uma discussão bem humorada e falei com ele: Vai tomar no c..., Júnior. Você é o melhor lateral-esquerdo do mundo e sabe que é só lançar pra mim que vou ganhar esses caras na corrida e vamos ganhar o jogo”, relembra Carlos Henrique.


Não deu outra. O Flamengo ganhou o Mixto por 2 a 0. Carlos Henrique fez o primeiro gol, num chute de pé direito, correndo pela ponta e fechando pelo meio, e fez a jogada do segundo gol, marcado por Zico. “Essa era minha característica. Eu não era tão habilidoso para pegar uma bola e sair driblando, mas era muito bom em conduzir a bola em velocidade e isso era mortal para os adversários”, reflete.
Carlos Henrique recorda-se que Pelezinho morreu precocemente num acidente de carro: “Havia quatro pessoas no carro e morreram duas, ele entre elas”. Pelezinho era Pelezinho somente no Mato Grosso. Na verdade, era Adavilson. Era arisco e chutava tão forte quanto Nelinho, conforme testemunha o ex-goleiro Gilmar Rinaldi. Seu talento o levou para o Inter de Porto Alegre, depois de um jogo entre as duas equipes nesse mesmo campeonato de 1980. 


Pelezinho, o temível ponta-direita, morreu em sua própria terra. Depois de ser campeão gaúcho e disputar a Libertadores de 1981, ele foi ao Mato Grosso e morreu num acidente de carro no dia 19 de novembro. Foi comoção estadual. Por coincidência, oito dias depois morreu Cláudio Coutinho, o técnico desafeto de Carlos Henrique no Flamengo. 


O ano de 1980 começou promissor, mas foi um ano que não terminou para o ex-jogador na Gávea. Depois da briga com Cláudio Coutinho, foi emprestado ao América, que o repassou ao Goiás, onde jogou o Campeonato Goiano e sagrou-se vice-campeão, perdendo o título para o Vila Nova.


Jogava pela ponta-direita no Goiás, como sempre gostava de aproveitá-lo o seu técnico da base na Desportiva, Carlos Pedro. Como bem observou seu ex-colega de clube em Jardim América, o meia Marcos Nunes, “era um jogador diferenciado, de muita velocidade, que tanto chutava com a esquerda quanto com a direita e podia ser utilizado nas duas pontas”.


Formou no Goiás um bom time, com esta base: Ubirajara, Adalberto Sabãozinho, Argeu, Alexandre Neto ou Marcelo e Nonoca; Paulo Roberto ou Carlos Alberto Santos, Luvanor e Pastoril; Carlos Henrique, Heber e Ramon. O capixaba conheceu bem Nonoca, quando ele jogou no Rio Branco na excelente campanha do Brasileiro de 1986.


O técnico de Carlos Henrique no Goiás era João Lacerda Filho, o Barbatana, um ex-jogador vitorioso do Atlético Mineiro (hexacampeão estadual e duas vezes vice-brasileiro, inclusive contra o Flamengo em 1980). Foi Barbatana quem descobriu em Ponte Nova, onde nasceu, o atacante Reinaldo e o levou para o Galo. Foi também quem descobriu Toninho Cerezo e promoveu Paulo Isidoro ao time profissional. 
Depois de jogar bem no Goiás, Carlos Henrique foi chamado de volta para o Flamengo no início de 1981, a pedido de Modesto Bria, que assumiu o comando rubro-negro, quando Coutinho foi treinar o Los Angeles Asztecs. 

Depois de jogar bem no Goiás, Carlos Henrique foi chamado de volta para o Flamengo no início de 1981, a pedido de Modesto Bria, que assumiu o comando rubro-negro, quando Coutinho foi treinar o Los Angeles Asztecs. Bria gostava de Carlos Henrique. Iria começar o Campeonato Brasileiro, chamado de Taça de Ouro, e, naquela época, era disputado no primeiro semestre. Naquele ano, o campeão foi o Grêmio, de Porto Alegre, na final contra o São Paulo. O Flamengo parou nas quartas-de-final, eliminado pelo Botafogo, que perdeu a semifinal para o São Paulo.


Carlos Henrique jogou no time da Gávea até a vitória de 4 x 2 sobre o Uberaba, dia 1º de abril. Modesto Bria seria substituído no comando do time por Dino Sani. O ponta Carlos Henrique, depois de se aconselhar com o zagueiro Marinho -  que havia saído do Londrina para ser campeão pelo Flamengo -, foi emprestado ao “Tubarão” por 300 mil cruzeiros e passe fixado em 5 milhões. A decisão de ir para o Sul do País revelou-se um grande acerto. 


“Fui artilheiro e campeão estadual pelo Londrina. Eu arrebentei lá e no final do ano o Londrina queria pagar o passe, mas o Flamengo endureceu e quis me levar de volta. Mas queriam me pagar 10% do que o Londrina me oferecia. Eu falei que, se eles cobrissem, eu ficaria. Mas os caras riram e disseram que antes eu tinha que mostrar no Flamengo o que mostrei no Londrina. Eu não tinha que mostrar mais nada. Fui para o Londrina e fiz meu pé de meia”, conta. 


Até hoje, Carlos Henrique é idolatrado na cidade paranaense. O cronista Flávio Frim registra, em artigo no blog do clube, que “Carlos Henrique fez história no Londrina Esporte Clube”. Frim descreve:  
 “O capixaba Carlos Henrique era um jogador rápido, driblador, que penetrava em diagonal pela defesa adversária batendo a gol. Enquanto no Flamengo ele apenas criava situações de gol para seus companheiros, no Londrina ele finalizava suas próprias jogadas. Logo se tornou ídolo no Tubarão. Tinha aqui até sua própria torcida organizada, formada só por mulheres. Muitos torcedores (incluindo este que vos escreve) iam aos treinos coletivos no Estádio VGD só para ver suas jogadas. No Estádio do Café, quando pegava a bola, os torcedores já se levantavam nas arquibancadas, sabendo que uma boa jogada estava por vir. Na campanha do título de 1981 participou de todos os 38 jogos. Foi artilheiro no Campeonato Paranaense daquele ano ao lado de Paulinho (também do LEC) com 13 gols, além de sofrer cinco pênaltis no certame. Foi também eleito craque do ano pela mídia esportiva paranaense”.

Nesse ponto, de ganhar dinheiro, Carlos Henrique começa a fazer diferença: “Comprei terras no Espírito Santo. Tinha oito terrenos no litoral, mas me roubaram quatro. Eu não estava aí para cuidar e invadiram. Na verdade, invadiram tudo, mas eu recuperei quatro. Aí eu desanimei de investir no Estado. Pensava em minha família que tinha ficado para trás, mas cada um tinha suas obrigações e eu ainda tinha muito para jogar futebol”. 

 


O título pelo Londrina em 1981 foi o passaporte de Carlos Henrique para o Palmeiras

 

Na temporada de 1982, Carlos Henrique voltou a ser um dos artilheiros do time paranaense, com 11 gols, junto com Nivaldo e atrás apenas de Paulinho, que fez 15 gols. Naquele ano, o Londrina foi o terceiro colocado no Campeonato Paranaense e disputou com destaque o Campeonato Brasileiro, inclusive vencendo o Botafogo no Rio, dia 11 de março, por 3 a 1, e um dos gols foi de Carlos Henrique. 


Depois disso, a carreira de Carlos Henrique deu um salto, a ponto de ser cotado para Seleção Brasileira de Telê Santana, que começava os preparativos para disputar as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986. É isso que vou contar no próximo episódio, com sua passagem pelo Palmeiras e o dia que comprou seu próprio passe, com dinheiro emprestado por Zico.