O folclórico artilheiro Túlio Maravilha transformou em um mantra pessoal as palavras de Pelé, ditas há pouco mais de oito anos.

"Túlio, não dê bola para os invejosos que só sabem criticar. O que importa é o seu milésimo gol", disse o Rei, cinco dias depois de o ídolo do Botafogo ter marcado o que considera seu gol mil, em fevereiro de 2014, pelo Araxá Esporte, aos 44 anos, na segunda divisão do Campeonato Mineiro.

A contabilidade dos gols de Túlio é contestada por diversas fontes, incluindo alguns dos 35 clubes em que ele atuou na carreira. Mas o atacante ignora a polêmica (ou a abraça) e dobra a aposta. Aos 53 anos, quer bater novos recordes.

Túlio decidiu voltar ao futebol profissional e surgiu como reforço do Sport Clube Brasil Capixaba, do Espírito Santo, três temporadas após a aventura anterior, pelo Taboão da Serra, em 2019.

"Estava em casa e, quando recebi um convite para retornar, pensei: 'O Romário é logo ali, tem só um gol a mais. Eu vou'. Quero também passar o Kazu como o mais velho em atividade. Ainda vou jogar alguns anos em divisões assim, sempre no segundo semestre", afirmou.

A passagem de Túlio pelo clube capixaba, contudo, durou um jogo, no que pode ser visto como uma síntese da trajetória errática que sua carreira tomou nos últimos anos.

"Ele não vai jogar mais pelo Sport", disse o empresário Rodrigo Gonçalves Denicolo, um dos patrocinadores do clube.

Não há justificativas oficiais para a decisão, mas é fato que não houve o retorno esperado com a contratação midiática. Túlio foi substituído aos nove minutos do segundo tempo da única partida em que atuou -sem balançar a rede.

Nas arquibancadas do estádio Kleber Andrade, em Cariacica, números também confirmam a volta modesta: apenas 98 torcedores presentes, com 73 ingressos vendidos. Uma arrecadação de R$ 1.010 e um prejuízo de R$ 1.411,98, segundo boletim financeiro divulgado pela FES (Federação de Futebol do Estado do Espírito Santo).

Apesar da boa forma física, frequentemente exibida em fotos sem camisa em sua conta no Instagram, o atleta não foi capaz de evitar a derrota para o Castelo.

Sem Túlio, o time fundado em 2013 se reabilitou com duas vitórias: 1 a 0 sobre o Aster e 4 a 1 sobre o GEL.

"É um futebol muito rápido, uma correria absurda. No meu time, tirando um meia experiente de 28 anos, todos têm no máximo 21 anos. O clube está aguardando ainda uma decisão dele e do empresário, pois não tem condição de bancar nada", disse o gerente de futebol, Mario César.

Mesmo assim, o artilheiro continua com seus projetos. "Não tenho pressa para isso. Sou um eterno sonhador, um showman", declarou. "Sou movido a desafios. Hoje tenho menos de 10% de gordura corporal, é nível de jogador de elite. Meu cardiovascular é muito bom. O que eu tenho a perder?"

No acordo, Túlio deveria jogar duas das três partidas com mando do Sport na primeira fase. Ausente na segunda, ele explicou não ter atuado por outro compromisso pessoal em "comum acordo com a diretoria e o patrocinador".

A tarefa de aumentar a conta de gols será a mais nova epopeia de Túlio, que diz ser jogador e palestrante motivacional, mas também aberto para acordos publicitários, eventos e clínicas de futebol.

"Neste período de pandemia, eu estava me acostumando a ficar mais quieto, mais parado, mas voltei a participar de alguns eventos, e isso mexe com a gente. Não posso ultrapassar os meus limites, sei onde posso atuar. E podem esperar o Maravilha por muito mais tempo", prometeu.

Superar Romário, aparentemente, é a missão mais palpável. O ex-atacante da seleção brasileira, hoje senador pelo PL (RJ), tem 1.002 gols em sua conta pessoal, contra 1.001 listados por Túlio.

A conta de Maravilha, porém, envolve uma extensa lista de gols questionáveis. Questionado pela reportagem sobre detalhes da contagem, ele sugeriu: "Na Wikipédia tem tudo". A enciclopédia virtual, porém, registra 578.

"São apenas os gols oficiais, faltam 22 para eu chegar nos 600", justificou.

Em 2014, um dossiê divulgado pelo site Globo Esporte divergia drasticamente do que era apontado pelo atleta em seu site oficial, que não existe mais.

Túlio contabilizava 187 bolas na rede pelo Goiás, enquanto o clube só registrava 91. Pelo Sion, da Suíça, ele apontava 64, contra 19 registrados pela federação local.

O mesmo se viu em equipes como o Ujpest, da Hungria, e o Jorge Wilstermann, da Bolívia. Em alguns casos, ele diz ter recorrido à memória, já que não há registros ou súmulas das partidas.

Na corrida pelo milésimo, contou gols em amistosos contra equipes amadoras ou não profissionais. Em 2011, atuou pelo Botafogo-DF contra o time juvenil do Ceilândia-DF, com os adversários todos abaixo de 17 anos. O goleiro Gleydson tinha 15.
Para se tornar o mais longevo jogador em atividade, feito do atacante japonês Kazu Miura, reconhecido pelo Guiness Book, em 2018, como o mais velho a marcar em uma liga de futebol profissional, o caminho é mais difícil.

Kazu, dois anos mais velho, continua atuando pelo Suzuka Port Getters, da quarta divisão japonesa, e não deu indícios de quando pendurará as chuteiras.

Nada disso importa ao Maravilha. Ele lembra, novamente, a frase de Pelé para ir adiante. "Enquanto eu tenho sonhos e saúde, quer dizer que estou vivendo. Dizem que a vida começa aos 50, não é?"