Desgastada pelos escândalos provocados pelas apurações da Operação Lava Jato, que envolveu seus principais executivos, a Construtora Odebrecht terá no Espírito Santo a oportunidade para começar a recuperar sua credibilidade: vai receber um contrato de R$ 2,1 bilhões para construir o complexo portuário projetado pela Petrocity para a região de Urussuquara, em São Mateus.


É o que garante José Roberto Barbosa da Silva, presidente da Petrocity, que agendou para o dia 17 de janeiro um evento em Vitória quando, segundo ele, serão assinados todos os contratos para o início das obras de construção do porto, que custará R$ 3,2 bilhões em investimentos “totalmente privados” e, a partir do momento em que começar, tem previsão de entrar em operação dentro de quatro anos.


“Estamos trabalhando direto na viabilização das parcerias para a construção do porto. Só ficaremos dependendo da licença ambiental. Nesse evento do dia 17 o mercado saberá quem são os principais atores envolvidos e vamos iniciar, junto com o novo governo, a nova era de prosperidade para o Espírito Santo, criando esse corredor logístico que transformará o Norte e Noroeste do Estado, além do Leste de Minas e do Sul da Bahia”, diz José Roberto.


INQUIETAÇÃO


Os projetos puxados pela Petrocity nas regiões Norte e Noroeste do Estado estão gerando uma grande inquietação nesta virada de ano e mexendo com os ânimos de empreendedores, combinando com pesquisas nacionais que apontam para o aumento do otimismo do empresariado com o futuro da economia. 


“O gigante adormecido precisa acordar. O mercado externo espera por nós. Há uma grande deficiência logística no País, notadamente estrutura portuária. A costa italiana tem 52 portos e a brasileira apenas 28. Além disso, outro grupo está se formando para a construção da ferrovia ligando Sete Lagoas ao porto, passando pela região Noroeste”, observa Barbosa.
Sobre a parceria com a Odebrecht, o presidente da Petrocity é enfático: “Temos que separar as coisas. Trata-se da empresa brasileira com know how em construção de portos. Já construiu 52 portos no mundo inteiro e 19 no Brasil”.


O mercado imobiliário já começa a se preparar para o momento em que o novo complexo portuário e a Estrada de Ferro Minas-Espírito Santo (EFMES) começarem a sair do papel.


Com 130 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE para 2018, o município de São Mateus já tem a terceira maior população do interior do Estado (atrás apenas de Cachoeiro e Linhares) e ocupa a 7ª posição no Estado. Essa explosão demográfica ocorreu a partir da primeira gota de petróleo que jorrou na cidade em 1966, atraindo novos negócios para a cidade, que é uma das mais antigas do Espírito Santo (os primeiros colonizadores chegaram em 1544).


Em oito anos, desde o Censo de 2010, a população aumentou em quase 10 mil habitantes, mesmo diante dos desafios enfrentados nessa década pelo negócio de petróleo, seja por problemas no mercado internacional, seja pelos problemas de governança da Petrobras, que tem uma base na cidade e viu-se envolvida, profundamente, nas denúncias de corrupção ocorridas no contexto da Operação Lava Jato.


Em 1970, o município, que é o terceiro em extensão no território capixaba, contava pouco mais de 40 mil habitantes, mas os novos negócios, tanto no petróleo quanto na agricultura, facilitada pelas boas condições topográficas planas, e a posição geográfica, servida pela BR 101, além de um litoral muito procurado por turistas, São Mateus “explodiu” em 50 anos, mais que triplicando sua população. Isso sem contar que, nesse período, emancipou Jaguaré, que tem 30 mil habitantes. 


PORTO 


As primeiras notícias sobre a criação de um complexo portuário surgiram por volta de 2012, mas o projeto fez água, num primeiro momento, quando “furou” a promessa de investimento de um príncipe árabe, que chegou a visitar o Estado e depois desapareceu. Idealizador do projeto, o presidente da Petrocity, José Roberto Barbosa da Silva, o reformulou e saiu em busca de novos parceiros. 


Agora, a ideia ganha corpo novamente, parece que forma mais definitiva, beneficiada pelo otimismo que toma conta da classe empresarial brasileira, depois da estagnação decorrente dos problemas políticos ocorridos a partir de 2012. “A economia do mundo não está em crise, a nossa é que está e isso tem muito mais a ver com a crise política”, avalia José Roberto. 


O ambiente de negócio melhora e, com ele, ganham todos. O mercado imobiliário é um dos mais entusiasmados com o prenúncio de novos dias. Para se ter uma ideia, na fase de construção do porto, que deverá durar em torno de quatro anos, a previsão é de geração de 2.500 empregos diretos, o que, seguramente, gera outros 6 mil indiretos. Na operação, são 2.000 empregos diretos.


Só nessa movimentação a população poderá aumentar entre 10 e 15 mil pessoas, fora aqueles negócios que virão se instalar em função da nova estrutura logística, acreditam técnicos ouvidos pela reportagem.  Está agendado para o próximo dia 17 de janeiro, em Vitória, um evento em que a Petrocity assinará os contratos para o início da construção do porto. “Queremos deixar tudo pronto para a hora que a licença ambiental sair iniciarmos logo as obras”, observa Barbosa.


POTENCIAL


“Nossa expectativa é muito grande diante desses dois grandes projetos, o porto e a ferrovia do Noroeste. Principalmente, em São Mateus, onde acredito que o complexo portuário vai alavancar negócios e ser um divisor de águas entre o passado e o futuro, com a geração de milhares empregos diretos e indiretos e gerando uma demanda para um grande impulso no setor imobiliário”, avalia José Xavier da Silva Júnior, 38 anos, mais conhecido como Júnior Xavier.


Este tipo de empreendedor tem bem o perfil do novo empresariado que deverá construir a prosperidade regional pelas próximas décadas, acreditam analistas econômico e sociais, como o professor Dalan Campos, aproveitando a experiência daqueles que construíram com a era iniciada nos anos 70 e, a partir daí, estabelecendo novos fundamentos num tempo dominado pela informação rápida e muita tecnologia.


Júnior Xavier foi com 18 anos para a Inglaterra em busca de novos caminhos. Diz que aprendeu muito e retornou, também há dez anos, para aproveitar a experiência que acumulou no País da Rainha e empreender em sua própria terra, montando o seu negócio de construtor e incorporação.


“São Mateus é um polo regional com influência também no Sul da Bahia. Nossos negócios estão localizados tanto na sede do município quanto na Ilha de Guriri, que é um balneário de atração de turistas. A cada dia, a população de São Mateus gosta mais de morar em Guriri e o potencial de crescimento é muito grande. Com o advento do complexo portuário, esse crescimento imobiliário tende a avançar no sentido Sul, onde está o maior potencial de expansão da área urbana”, avalia Júnior.


Por trás da expansão, os desafios: “Precisamos qualificar melhor nossas lideranças políticas também para que haja um planejamento diante desse crescimento projetado. Os novos projetos vão trazendo novas receitas, mas geram também novas demandas de investimentos públicos em infraestrutura, saúde, educação, transportes, melhores rodovias. Para isso, o gestor público tem que acompanhar o ritmo e a dinâmica do empreendedor privado”. 


No próximo dia 15, um seminário em Barra de São Francisco reunirá lideranças políticas e empresariais da região Noroeste para apresentação dos dois projetos: o complexo portuário de Urussuquara e a ferrovia que ligará o porto a Sete Lagoas (MG). Em Barra de São Francisco ficará uma das UTACs (Unidade de Transbordo e Armazenamento de Cargas) dos 560km da estrada de ferro, por isso a cidade foi escolhida para sediar esse seminário. 


(Série de reportagens produzidas pelo jornalista José Caldas da Costa sobre os impactos dos projetos do novo porto da Petrocity e da ferrovia EFMES sobre o Norte-Noroeste do Espírito Santo)